domingo, 13 de abril de 2008

Numa constante

“Existe [a felicidade], sim; mas nós não a alcançamos.
Porque está sempre apenas onde a pomos.
E nunca a pomos onde nós estamos”.
(Vicente de Carvalho, Poemas e Canções)


A história é longa. E bota longa nisso. Na realidade, nem sei como ainda encontro disposição para falar sobre esse assunto. Deve haver uma porta certa por onde escapar! Ou alcançar. Ah, não é possível. Mais uma vez, era uma vez o destino, que novamente fez questão de se manifestar contra mim. E aqui estou eu, na mesma rede, depois da mesma ausência.
Cheguei ao ponto de abandonar certos livros e filmes. Passo longe principalmente das partes que se referem a mim! E a ele. Há histórias que faziam sonhar; hoje, me têm sido uma tragédia.

Não posso aceitar! Voltei a acordar com o sobrepeso do meu corpo e o gosto do vazio na boca agora me persegue. O que espero, afinal? Pensei que tinha me tornado esperta o bastante... No entanto, insisto burramente nos campos cavernosos que são exatamente iguais. Já conheço bem o início e mais ainda o fim disso tudo. O destino é tão patético que nem faz questão de mudar, me enganar ou algo parecido. E nem precisaria. Basta aparecer com sua principal armadilha para me tornar o bichinho indefeso de antes.

Pensei que já havia deixando tudo acertado comigo. Imaginei que tinha contraído sensatez. Mas não. Continuo, repetidamente, a mesma. Enquanto parte de minha vida dá cambalhotas, esta, a pior delas, é uma constante. Até os sonhos, dos quais havia me livrado, nos últimos dias se referem estritamente às mesmas frustrações, ao orgulho ferido, ao ciclo interrompido. Compreendo o que preciso. Mas será preciso (o mesmo) tremendo esforço. Isso dói.

Myllena Valença

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

O tempo

Qual a real duração do tempo? O que se esconde por trás dessa linha invisível que rege a humanidade? Entre prazos, horários, compromissos e planos vivemos presos às imposições da incansável maquinaria do tempo: o relógio. O seu tic-tac incessante passou a controlar cada ciclo de nossas vidas.

O tempo vai passando, as forças se esgotando, a paciência, então, sem comentários. Mas o grande inventor do Universo sabiamente dividiu o ano em fatias e é justamente na última delas que é dada a oportunidade de recomeçar, reinventar e atrelar forças mais uma vez. A partir daí, poderemos recuperar o entusiasmo para continuar cumprindo prazos, horários, compromissos... O 365º dia do ano é simplesmente a hora de fechar a Gestault (encerrar um ciclo). Hora de fazer uma grande faxina dos armários do coração.

Vamos lá! Eis que surge a oportunidade de propor a nós mesmos uma mudança. Para isso, há mil recursos à disposição. Basta enxergar com os olhos da alma. É chegada a hora de nos desfazermos das roupas velhas, de pararmos de insistir no que já acabou. E se, por ventura, o tempo arranhou a família, o trabalho ou o corpo, a esperança de um Ano Novo abre frestas por onde o que restou de bom se derrama no futuro.

Neste ano iminente declare a morte do ego fechado, frio e prepotente. Segure na mão direita a *cornucópia que abre caminhos para a boa sorte. Sonhe alto. O sonho só se torna tragédia quando, por medo de errar, mutilamos nossos talentos. Que a utopia seja o terreno de sua liberdade. Trace metas. Talvez este seja o primeiro dos melhores anos da sua vida. Abra os caminhos para as oportunidades. Como disse Pasteur: "A chance favorece a mente preparada".

A vida pode ser normal ou linda. Seja você mesmo o roteirista do seu destino. Corra enquanto há tempo!*Cornucópia: na mitologia era um vaso em forma de chifre, com frutas e flores. Expressa um antigo símbolo da fertilidade e riqueza.

Myllena Valença

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Sem gravidade

Quando perguntei, só por curiosidade, a um amigo neurologista os motivos de uns sonhos estranhos que me perseguiam, ele respondeu que meu subconsciente estaria querendo se livrar de meu lado velho, de um modo de vida que, apesar de alheio ao bom senso, eu continuara persistindo em seguir. Eu nem desconfiava que, além dos amigos mais íntimos, minha mente também lutava contra os desejos insanos do meu coração. Esse duelo pode ser uma boa explicação para as dores constantes nos ossos. O espírito não estava em sintonia com o corpo. Daí a explicação para as não menos intensas dores vasculares... Doutor, me dá um remédio para a alma! Se não achar, me diz qual a fórmula capaz de ressuscitar esse músculo que acaba de me deixar com um buraco enorme no peito!

O mesmo médico me explicou também que quando a gente se livra do tal lado velho, o coração encara essa mudança como um luto. Cada dor, um luto. É assim que me sinto hoje. Não pela chegada de uma perda. Mas por ter me dado conta dela. Essa conscientização me veio com um rasgo desumano. Eu não percebera o luto ou não o aceitara porque nesse período minha alma travara uma grande guerrilha contra a razão. Acredito que nenhum deles saiu ganhando. E eu me perdi... E acabei encontrando a resposta para o que estou sentindo agora. Careço de força de gravidade. Estou solta, flutuando sozinha, com tempo suficiente para pensar no nada que encontro em volta. Já haviam me dito que o amor envolve riscos e que a vida não é nada mais do que poeira, desejo, invenção, fantasia, vontade... Vou tentar ser apenas racional. Um velho amigo já me alertou: “o coração, se pudesse pensar, pararia”.

Myllena Valença

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Caixinha de fósforos

Estou tendo a impressão de que não caibo mais em mim. Estou imensa e não sei o que fazer comigo mesma. Meus pensamentos não se acomodam. Vivem em ebulição. É como um feto dentro do ventre, que já acena para o dia da chegada, mas nada acontece. Sou como um menino gordo em frente a uma mesa cheia de guloseimas, mas que não sabe por onde começar, não sabe se devora primeiro o bolo de chocolate ou a macarronada. O que devo querer primeiro? Qual talher usar? Aí vou diminuindo diante desse mundaréu de planos e sonhos. E eu, que me sentia enorme, passo a minguar.

E se todos esses devaneios fossem bem-sucedidos? E se uma fada-madrinha me concedesse cada um dos meus anseios? Aí, temo não dar conta de todos eles... Por outro lado, eu poderia esquecer tudo: aquela viagem da minha vida, que, no fundo, no fundo, eu não queria que tivesse volta... Eu resolveria abandonar a mim mesma e apenas ajudar tanta gente que precisa - mesmo sem saber – de mim! Ai, Deus, preciso tanto de uma história inventada, de uma existência desenhada! Quero ajuda pra criar um fantástico roteiro que me faça sentir orgulho - de mim mesma? Aí, me deparo com o maior medo: vou me saciar um dia? Ou me tornarei escrava da minha fábrica incansável de fantasias? Essa ansiedade ainda me mata... Sinto-me em um simulado de múltipla escolha. Mas com casca de banana. Todas as alternativas me parecem deliciosas. Mas só posso escolher uma!

Por favor, preciso de um nome para isso que desejo! Ei, me explica! Para quê tudo isso? Onde quero fincar minha história? Será tudo vaidade? Que Deus me perdoe. Que Deus me ajude a continuar pertencendo a mim mesma. Quero o mundo todo para mim; e nem sei a qual pedido que devo dar prioridade na oração do dia. Minha cama já está do tamanho de uma caixinha de fósforos. Ainda ontem, tinha o tamanho de uma caixa de sapatos. Desse jeito, onde vou parar? Porque depois de conquistar, posso simplesmente preferir acordar no neutro.

Se eu encontrasse uma fórmula para dar existencialismo aos meus pensamentos, eles me explicariam a que vieram e andariam de mãos dadas comigo. Então, com um exército de aliados, tudo ficaria claro e simples...

Myllena Valença

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Cigana Contadora de Histórias

Você sabia que, se não fossem os piolhos, o mundo não teria se enchido de gente? Pois é: Deus, tentando juntar Adão a Eva, que custavam a se apaixonar, jogou vários desses insetos sobre os dois moradores do Jardim do Éden. Na busca de coçar as costas um do outro, eles, enfim, aproximaram-se. O conto é apenas uma demonstração do que uma criança pode aprender através da contação de histórias. A prática, que nem sempre faz parte dos lares, é uma excelente forma de causar desejo de ler, conforme ensina a Cigana Contadora de Histórias, personificada pela jornalista Gabriela Kopinits, em Caruaru. Ela, que se considera uma “traça de livros”, repassa sua paixão pela leitura para crianças e adolescentes em escolas, bairros pobres e hospitais, levando a magia das lendas, mitos, folclores e fábulas e oferecendo, voluntariamente, um dia de alegria para os pequenos.

Gabriela tomou gosto por histórias aos quatro anos de idade, quando o pai começou ler para ela, sentado à beira da cama, antes de dormir. Daí em diante, autores como Monteiro Lobato e Ana Maria Machado ganharam uma fiel seguidora, que tenta propagar que “uma criança se torna um adulto mais seguro, feliz e equilibrado se tiver acesso à literatura”. Um dos livros preferidos da jornalista é o Contos Tradicionais do Brasil, do escritor Câmara Cascudo, considerado o Papa do folclore brasileiro. Nessa obra, a criançada pode encontrar muitos dos costumes, linguagens e crenças brasileiros. Literatura de cordel ajuda a compor o rol de predileções da contadora – e dos seus expectadores mirins também.

“Clássicos como Os Três Porquinhos, A Bela Adormecida e a Branca de Neve continuam encantando meninos e meninas. Aos poucos, eles começam a se aproximar, e quando percebo, já estão grudados na barra da minha saia, pra não se dispersar de uma só palavra”, descreve a Cigana, que hoje ajuda a manter, através da Secretaria Municipal de Educação, o Projeto de Incentivo à Leitura (em escolas públicas) e o Poesia, Alimento da Alma (com a participação de artistas da cidade).

Gabriela Kopinits foi convidada, no ano passado, para participar de uma noite de contação de histórias, organizada pelo Montalvo Arts Center, na Califórnia, Estados Unidos. A participação foi através do envio de um cd com histórias e fotos. No próximo dia 21, a jornalista estará se apresentando na Favela da Lata, em Caruaru. Quem quiser chamá-la para fazer a festa da garotada, deve ligar para o telefone (81) 9606 8762.

Myllena Valença

* Matéria publicada originalmente na Folha de Pernambuco

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Frase mórbida?! Eu não acho

Meu primeiro contato com Ele foi quando eu tinha cinco anos de idade. Cochilei e fiz xixi no sofá de casa, novinho em folha. É hoje que levo uma surra, resmunguei! Mas aí, antes de me deitar, ajoelhei-me e sussurrei: Papai do Céu, que mainha não brigue comigo quando chegar em casa, senão eu tô frita! Dormi na mais perfeita paz e no dia seguinte ela até me consolou: a gente lava e põe no sol. Ops, encontrei ali um aliado! Cresci lembrando com gratidão por aquele dia, certa de que não foi o sol que me salvou de uma bela bronca...

Mas hoje, cada dia que passa, tenho até certo constrangimento de falar sobre Ele. E isso me dá um remorso danado... Porque a maioria das pessoas prefere acreditar em si própria, na sorte, no acaso, na natureza, nos astros, em Santa Periquita do Rabo em Pé, na puta que lhe pariu, a dar crédito pela vida, pelas graças ou pelos livramentos a Deus. Ou Jesus. Já repararam que as pessoas pouco usam esse nome?

De uns tempos para cá, percebi que não posso consolar muitos amigos oferecendo-lhe uma palavra de conforto advinda da Bíblia: seria mais que uma afronta às mentes que se acham magnânimas e mega-bem-instruídas. Elas não acreditam em um livro que somente ensina o bem, mas lêem os jornais, e propagam tudo que estava ali - que foi escrito por um mero repórter - como a mais pura verdade. Ficam inchadas de tanta presunção ao ditarem seus autores, livros favoritos. “Não, porque Dan Brown é maravilhoso... Não, porque adoro as críticas de Arnaldo Jabor”. Mas o que disse Jesus aos seus discípulos precisa ser incansavelmente rebatido, discutido, punido...

Estava conversando com uma amiga e comentei: mas a gente não pode botar uma passagem cristã no MSN que é motivo de polêmica, né, menina? Logo depois, coloquei no espaço de mensagens pessoais a seguinte frase: "Nunca mais te servirá o sol para luz do dia nem com o seu resplendor a lua te iluminará; mas o Senhor será a tua luz perpétua". Juro: não se passaram cinco minutos para a primeira avessa a Deus dizer: “mas q frase mórbida é essa, mulher?”. Mórbida? A cazzo só se fala em Deus quando se está na lama? Outro: “Virou crente, foi?”. Dã! Me errem!

Já ganhei tantas coisas boas, já tive tantos pedidos acatados, já recebi bênçãos... Mas se eu atribuir tudo isso a Deus, noooooossa! Arranjo facilmente um opositor! Já deve ter até algum leitor pensando: Mas ela não quer dar uma de santinha pra cima de mim não, né? Acertei? Seguramente, sim!

Uma exemplo dos frutos da minha fé: havia uns quarenta candidatos à vaga por um estágio... Por aí. Estava num período de baixa auto-estima. O “emprego” em uma TV cairia como uma luva para eu descobrir que eu não poderia ser tão improfícua quanto pensara. Fiquei na minha. Os que se auto-congratulavam os mais ilustres da faculdade, que tinham a cabeça quase saindo do pescoço, me olhavam de nariz torcido. Mas aí eu bati o pé: Deus, o sol por acaso não nasceu para todos? E eu por acaso não lhe sou fiel? (Hoje estou bem dispersa, mas, no tempo, eu realmente era!) Pois fiquei na varanda de casa, cobrei a Deus boa parte de suas promessas e, dias depois, tive a notícia do resultado. Única selecionada!

À época, aquilo me parecia a chance de minha vida, um divisor de águas. Hoje vejo que não era nada se comparado à glória que Deus ainda irá me revelar. Pretensiosa? Não... Nem um pouco. Não sou alienada, não sou fundamentalista, nem nenhum desses termos proclamados pelos que adoram mostrar sua opinião “sóbria” e “madura” ou sabe-se lá o quê contra Cristo! Apenas confio no meu taco e em alguém que me ama, me conhece pelo meu nome e pode me sustentar!


Myllena Valença

domingo, 26 de agosto de 2007

Uma má notícia

Toda semana minha mãe liga e geralmente me aparece com uma notícia-bomba. Quando não, minha irmã é a interlocutora. O que foi dessa vez?, pergunto já de sobrancelha levantada. E ela começa a narrar a manchete de São Bento do Una – geralmente relacionada a parentes. Eles pedem dinheiro e esquecem de pagar, adoecem, morrem e deixam os custos por conta de minha mãe, invadem a casa... Mami, já é de praxe, reata casamentos, arruma emprego, tenta abrandar o choque de uma gravidez indesejada, e por aí vai. Mas o protagonista de hoje foi diferente. Myle, nem te conto, Luck está com depressão! Comassim, Bial? Confesso que aquilo me veio com um aperto grande no coração, maior que o causado pela lembrança de não ter conhecido, tirado fotos e tocados os cabelos visivelmente macios de Sandy e Junior em sua última turnê.

Imaginei em poucos segundos toda a vida de Luck. Há quanto tempo ele não tem uma namorada? Seguramente, desde quando nos mudamos da chácara para o centro da cidade, há quase quatro anos. Ninguém tinha muito tempo ou paciência de lhe dar atenção, levá-lo para conhecer o novo ambiente, tão diferente da paisagem arborizada e cheia de bichos com a qual estava habituado. Mas chegar a ter depressão? A ficha começou a cair. Taí a explicação para o bege fosco de sua aparência, aquele olhar caído, sem brilho e a repentina estranheza com quem tinha mais laços. Eram sinais de que ele não estava lá muito bem. Caminha pouco e mal faz ruídos ao longo do dia. Falta-lhe apetite e nem mesmo um bom banho de bica parece estimulante. Isolamento social acaba qualquer um, ainda mais Luck, cheios dos traumas, que, abandonado pela família, só encontrou um novo lar por causa da conhecida generosidade de minha mãe, coitado!


Juro que queria estar do lado dele agora. Uns afagos ajudariam. Guilhermano, o veterinário, disse que o tratamento deve incluir medicamentos antidepressivos, como Prozac, ou remédios homeopatas e Florais de Bach, prescritos pelo terapeuta. Tudo para o restabelecimento emocional do cão deprimido. Sei que muitos que procuram minha mãe a tratam bem por puro interesse. Luck não, ele se achega a ela com afeto desinteressado e incondicional. Serviu de lição pro meu pai. Depois de perder uns cinco cães com pedigree por causa de doenças bobas ou por “frescura de cachorrinho chique”, jurou que só criaria vira-latas. Mas essa história deixou o velho chocado: “Hum, depressão em pé-duro? O mundo está mesmo de cabeça para baixo!”.

Myllena Valença