Quem acompanhou as peripécias de minhas coleguas em “Na Casa das Sete Mulheres” e conheceu o lado romântico de uma república deve se preparar para apreciar as outras facetas das espécies com quem habitei. Houve algumas normais, sei. Mas as barras-pesadas super merecem divulgação. Não posso guardar para mesas de bar ou para minhas netinhas as excentricidades das garotas que invadiram a calmaria do meu lar e me fizeram esquecer o significado do termo normalidade, tornando minha vida menos compartilhada e mais compartimentada.
Vou usar nomes fictícios, ok? Ainda não será dessa vez que ficarão famosas.
Já vivi sob o mesmo teto que a mulher mais fora de si de todo o mapa-múndi. Susana dizia por aí ter sido noiva de um traficante do Rio de Janeiro. Usava um anel da H. Stern cravejado de três pedras de brilhante, que, segundo o orçamento esbanjado pela “sortuda”, valia mais de quatro mil reais. Também tinha vestido e sapatos de grife doados pelo garanhão. Era o seu kit! Uuui!
A garota se aproveitou do meu excesso de bondade e aprontou pacas! Num dia de frio vestiu (sem permissão) meu único casaco limpo e, desaforada que só ela, disse que se eu quisesse usar a roupa fosse lá obrigá-la a tirar. Não sei se foi o gosto pelo desafio ou se ela tava ligada na minha. Preferi não procurar saber de suas intenções e sai no frio mesmo. Ai, como eu era lesa!
Dias depois fui usar as botas mais lindas que uma estudante de primeiro período e sem estágio poderia comprar. Me arrumei toda, vesti o pé esquerdo e, com o outro pé descalço, fui até a sala, mancando feito coxa. Ela estava sentada de pernas pro ar e fumando um cigarro. Susana, tu viu minha bota preta que tava no armário? Mulheeeer, sabe o que foi...? É que saí com ela ontem à noite (mais uma vez sem permissão) e um bandido me assaltou. Ele deixou cair uma e eu trouxe de volta! E por que você não entregou a outra bota ao moço, Susana? O que o bandido vai fazer com uma bota só? Depois descobri que aquele exu tinha jogado o sapato no namorado, durante uma briga na rua, e não voltou para buscar...
Lembro do dia que avistei Lourdes pela primeira vez. Uma moça cheia de gingas de malandro da favela. Pintava as madeixas de preto azulado e tinha o hábito de modelá-las com um tal de pega-rapaz. Fazia um rabo-de-cavalo e deixava uma franja quase na altura dos ombros, dividida ao meio para dar um “quê” de mulher fatal. Fora as maquiagens num estilo Paulette Pink, a drag queen; e as lentes de contato azuis (e verdes, para ocasiões mais formais) que usava lhe davam um aspecto de vampirismo de lascar, do tipo tirem as crianças da sala, que lá vem Lourdes! Adorava usar um par de botas brancas na altura do joelho e mais parecia que as pernas da louca estavam engessadas.
Um belo dia me aparece desfilando pela casa com um pedaço de pão francês com carne numa mão e um palito de dentes na outra, só de calcinha e sutiã. Ao notar nossos olhares (pouco discretos) para seu o corpinho nada jeitoso, tratou logo de esclarecer: tão vendo isso aqui no meu quadril? Né estria, não! É marca de facada mermo! Silêncio absoluto e olhos arregalados. Pelamordedeus! Pensamos em exorcizar a menina, entregar cartilha de educação doméstica. Tão simples. Mas a guria queria nem papo com a gente.
Havia outra, Marluce, que era “tarada, sim, e com muito orgulho”. Com ela não tinha esse negócio de perder tempo com conversa fiada! Queria, podia e conseguia devorar os homens! A lembrança de Marluce que tenho entalada na memória é dela preparando uma feijoada. Estava com toca de meia na cabeça para conservar a escova feita sete dias antes, vestia camisa branca furenta, daquelas ganhas em campanha de vereador, e um micro short que desafiava as leis da Física. Enquanto partia com uma peixeira os pedaços de linguiça, mantinha o pé esquerdo escorado no joelho direito e, de vez em quando, dava uma pausa para tirar a calcinha de renda vermelha - maior que o short - da bunda; cortava pé-de-porco, tirava o outro lado da calcinha da bunda; machucava o alho e... Não era tão vaidosa quanto a outra: tinha um rímel vencido no nécessaire e ainda não havia descoberto sua utilidade.
Ela vivia com os hormônios histéricos e uma das moradoras até costumava chamá-la de periquita flamejante! Com razão. Numa noite qualquer, as outras cinco meninas circulavam alvoroçadas pela cozinha, sala, banheiro... Mas um dos quartos estava mais que ocupado. Trancado. Em vez de colocar uma placa com néon rosa na porta dizendo “O BICHO TA SOLTO!” ou ir para o lugar certo onde se faz certas coisinhas, a moça levou “o homem das mãos grossas” para um dos nossos quartos. Minha gente, aquilo deu um rolo... Uma semana de reunião, debate de puritanas versus desinibidas, um chilique danado! Foi trabalho para a casa se descontaminar daquele dia!
Agora, avaliem o que é essa criatura, doente por Bruno e Marrone, dividindo espaço com uma roqueira. Mas não era uma roqueira qualquer, não! Era seguidora de Sepultura, Ratos de Porão e, em dias de calmaria, Dimmu Borgir – tudo no volume máximo! Na semana que apareceu na casa, a moça teve a insalubre capacidade deixar as unhas de molho em uma Tupperware e jogar os restos mortais de cutículas DENTRO, compreendem?, DENTRO da pia da cozinha! E achou péssimo a gente tentar explicar que, no convívio em sociedade, isso é absolutamente execrável! Jogamos o recipiente lixo adentro junto com a memória, mas ainda era um parto ver aquela criatura mastigar com a boca aberta e trocar guardanapos por panos de prato...
Sofri, é bem verdade, mas a vingança vem de jegue! Saí de lá e, no lugar, ficou uma criatura que faz qualquer uma dessas histórias parecer fichinha! Toma café no prato, usa saia longa com bota All Star e colabora com o futuro da humanidade poupando qualquer uso de água.
Myllena Valença
terça-feira, 14 de agosto de 2007
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