Imaginei em poucos segundos toda a vida de Luck. Há quanto tempo ele não tem uma namorada? Seguramente, desde quando nos mudamos da chácara para o centro da cidade, há quase quatro anos. Ninguém tinha muito tempo ou paciência de lhe dar atenção, levá-lo para conhecer o novo ambiente, tão diferente da paisagem arborizada e cheia de bichos com a qual estava habituado. Mas chegar a ter depressão? A ficha começou a cair. Taí a explicação para o bege fosco de sua aparência, aquele olhar caído, sem brilho e a repentina estranheza com quem tinha mais laços. Eram sinais de que ele não estava lá muito bem. Caminha pouco e mal faz ruídos ao longo do dia. Falta-lhe apetite e nem mesmo um bom banho de bica parece estimulante. Isolamento social acaba qualquer um, ainda mais Luck, cheios dos traumas, que, abandonado pela família, só encontrou um novo lar por causa da conhecida generosidade de minha mãe, coitado!
Juro que queria estar do lado dele agora. Uns afagos ajudariam. Guilhermano, o veterinário, disse que o tratamento deve incluir medicamentos antidepressivos, como Prozac, ou remédios homeopatas e Florais de Bach, prescritos pelo terapeuta. Tudo para o restabelecimento emocional do cão deprimido. Sei que muitos que procuram minha mãe a tratam bem por puro interesse. Luck não, ele se achega a ela com afeto desinteressado e incondicional. Serviu de lição pro meu pai. Depois de perder uns cinco cães com pedigree por causa de doenças bobas ou por “frescura de cachorrinho chique”, jurou que só criaria vira-latas. Mas essa história deixou o velho chocado: “Hum, depressão em pé-duro? O mundo está mesmo de cabeça para baixo!”.
Myllena Valença