quarta-feira, 16 de maio de 2007

Na Casa das Sete Mulheres

Assim que cheguei, não sabia com quem falar primeiro. Sobre qual assunto discorreria. Se seria mais séria, para aparentar responsabilidade, ou mais descontraída, para dar um ar de alegria à casa. Optei por deixar pra lá as interpretações - acabei sendo eu mesma. Eu era a mais nova da turma. “Pirralha”, começando a vida, aprendendo a ter responsabilidades. Cheguei depois de penar com outras criaturas sequeladas. A falta de casa, da família, deixou-me apavorada na época. Mas, naquela casa, encontraria apoio - pensei. Era meio imatura para enfrentar uma nova vida, uma cidade que, apesar de pequena, de interior, não havia conhecidos meus - mas eu queria (definitivamente) ser jornalista.

Apareceu a vaga no apartamento. Eu não poderia desperdiçar a chance. A proposta era dividir a casa com seis meninas e o quarto com mais quatro. Seria ‘A Casa das Sete Mulheres’. Parece muito? No início, também pensei assim. Mas ali viveria um dos melhores anos de minha vida, numa rotina nada desgastante. Nascia, portanto, uma grande - e linda - amizade.

Tudo era metodicamente dividido: sete mulheres, sete dias da semana. Então, mãos à obra! Na porta da geladeira havia tabelas para tudo: era dia de jogar lixo, lavar pratos, fazer faxina, lavar banheiro, geladeira e fogão, varrer a casa. O esquema teria tudo para dar certo, não fossem as desculpas nada convincentes de cada uma:

- É que trabalhei muito hoje...
- Que enxaqueca...
- Tenho prova, vou estudar!
- Eita... Num é que eu esqueci!

E a casa ficava à espera de uma pobre criatura que amanhecesse com disposição para dar conta de tudo e deixar a casa limpinha e cheirosa! Para resolver o problema, tentamos de tudo: reuniões semanais, nas quais eu ficava só olhando, absorta com as diferenças entre cada uma daquelas mulheres. Havia evangélica-abelhuda, atéia-intelectual, palhaça-estressada, boazinha-abusada e dondoca-esforçada. Um mix que fazia daquele lar o mais excêntrico que já conheci!

Decidimos fazer até mesmo uma eleição que aclamaria a ‘líder da semana’. Essa ficaria no pé das outras lembrando de cada tarefa - como se as regras do BBB pudessem mesmo ser aplicadas à nossa tosca realidade.

Depois das reuniões, a casa ficava impecável (por alguns dias, mas só por alguns dias...). Aí começava tuuuuudo de novo. Confesso que minhas amigas eram muito engraçadas. Quem mais falava era a mais meiga da casa, que vociferava inconformada, mas nunca causava receio. Daí entrava outra, uma ‘desbocada’, completamente louca, que dava uns dois ou três gritos, chamava uns palavrões e encaminhava as deliberações dos dias seguintes. Daí, se todas concordassem, o martelo era batido e não se falava mais nisso – por pouquíssimo tempo, claro!

A cumplicidade era nossa principal característica. Lembro quando, depois de uma rigorosa e longa triagem, fui a única selecionada para um estágio. As meninas choraram de felicidade. Também lembro como todas conseguiam odiar, junto comigo, meu chefe carrasco; torcer para que meus amores dessem certo. Quando adoeci, todas sentaram ao redor de minha cama para cuidar de mim. E riam de qualquer coisa que eu fizesse ou falasse, comparando-me a Vani, de Os Normais (vê se pode? Fudeu!Fudeu!Fudeu!).

Ainda liam todas as minhas crônicas - e sem reclamar, viu? De madrugada, a primeira que ouvisse os gemidos da vizinha durante o sexo, acordaria as outras para mandar a mulher fazer silêncio imediatamente - só para sacanear mesmo.

Com a conclusão do curso de Direito, cada uma tomou um rumo diferente. Fiquei sem chão. Órfã.

O tempo passou e morei com outras colegas. Mas nunca será igual. Nunca terá a magia de antes...


Myllena Valença