sexta-feira, 17 de abril de 2009

A menina tola

Referência na arte-educação do Brasil, Ana Mae Barbosa nasceu no Rio de Janeiro. Mas aos três anos foi para o Recife, onde se formou enquanto gente e profissional. Ana se pronuncia pernambucana, porque a gente pertence ao lugar onde cria raiz. Numa entrevista à Revista Continente, Ana Mae falou dos preconceitos sofridos na vida pessoal e na profissão por um simples detalhe: sua autenticidade. “A pior coisa que eu vivi e não consegui reagir foi quando dei uma palestra em São Paulo e ao terminar alguém veio a mim e disse: ‘É incrível que você, com esse seu sotaque, fale coisas tão importantes’. Alguma coisa me bloqueou e eu não consegui responder...”, contou Ana ao repórter.

Passei por situação parecida. Uma única vez. Por isso, de tão surpresa, não reagi da maneira que gostaria – ou deveria. Alguns velhos e novos colegas e eu comíamos sanduíche e batata frita, numa madrugada qualquer, depois de sair duma boate, no Recife. Todos na mesa eram da capital. Menos eu. Quando perguntada se era também do interior, uma das meninas respondeu da forma mais infeliz e patética que já ouvi: “Olha pra mim e vê se tenho cara de gente do interior!”.

Alguma coisa me bloqueou e eu não consegui responder à altura.

E como me arrependo!

O que faz alguém se sentir cosmopolita por morar 134 quilômetros depois de mim ou onde quer que seja? Gostaria de ter dito àquela criatura que, se acaso ela fosse a São Paulo, assim como Ana Mae Barbosa, poderia ser tachada de matuta. Queria que ela soubesse que, tendo a bunda daquele tamanho, se chegasse à Espanha, teria todas as chances de ser confundida com uma prostituta. Isso porque, infelizmente, em toda parte do mundo existem pessoas estúpidas, desavisadas e ignorantes como aquela menina.

Eu daria um conselho: que ela lesse um pouco sobre antropologia, cultura e comportamento. E se compreendesse o significado da teoria da relatividade, mudaria o discurso, porque a patente de recifense não faz dela uma pessoa mais ou menos civilizada. Já a leitura da bíblia ensinaria tal garota a amar e respeitar o próximo. Como gostaria de ter dito àquela menina tola o quanto a leitura nos dignifica. Aliás: como a leitura faz com que as pessoas evoluam a ponto de não pensar raso como ela. O conhecimento nos permite raciocinar. E gente que raciocina não fala as mesmas coisas que aquela menina tola.

Um dia, quem sabe, essa tal menina tola vai entender que o colorido da vida está nas diferenças. Na burca e no cabelo pintado de rosa. No jogo entre Sport e Náutico, na situação e oposição.

Quem sabe, quando descobrir sua autenticidade, ela dará as costas à alienação e enxergará as cores além desse mundo quadrado e daltônico onde faz questão (e não sei como consegue) de viver?

Myllena Valença