sábado, 4 de agosto de 2007

A tal inveja

Raquel está sempre ligada na TV Câmara, vê novelas, acompanha todos os Big Brothers e é leitora assídua da Marie Claire; graças a Gikovate, discorre com muita propriedade sobre temas como amor próprio, amor ao próximo e fazer amor. Ademais, é seguidora de Dostoievski e até de Paulo Coelho – depois de muita resistência. Bebe cerveja, conhece segredos profissionais para comprar, armazenar, servir e saborear vinhos e é a melhor veterinária da clínica. Há anos freqüenta academia três vezes por semana - e é dona do mais belo par de pernas de todo o quarteirão. Até já se habituou à ausência de... bunda e sabe excelentes truques de como usar roupas para disfarçar a ínfima imperfeição. Uma mulher completa, linda...

O problema é que, até os 28 anos, não havia conseguido fisgar um namorado a sua altura, um cara sério com quem pudesse desfilar por aí, apresentar às amigas, à tia chata e ao pessoal do trabalho como SEU. Ela se garante de verdade, sabe? Tem bom papo, mexe com os caras. Mas todos que passam por ela somem, como regra, no vigésimo encontro, no máximo. Quando tudo está se encaixando e as interpretações da conquista foram deixadas para trás, o pretendente se esquiva de fininho ou lhe dá um fora que desce rasgando!

Poxa, será que a bunda influencia tanto assim? Um clareamento dental resolveria? Sessões de terapia? Ela não sabe se passa a se comportar de forma mais recatada ou se age como uma exibicionista... O que assusta os homens: fazer parte do rol de moçoilas sérias ou das prontas para o ataque? Está beirando a casa dos 30 e não tem com quem planejar uma lua-de-mel, a decoração da casa, os nomes dos filhos... Já se sente experta o bastante para lidar com qualquer tipo de pretendente: tímidos, extrovertidos, panos-quentes, egoístas ou generosos... Desde que a amem e enxerguem cada um de seus predicados – mas nada acontece!

Foi aí que numa bela noite uma amiga de uma amiga apresentou Marcelo... Ah, Marcelo... O homem mais perfeitinho que a Rede Feminina de Combate ao Preconceito e a Associação de Mulheres Bem-resolvidas poderiam desejar. Fino, educado, vistoso, simpático, fala francês, inglês, toca violão, ganha qualquer partida de sinuca ou pôquer e é o carinha popular da empresa onde trabalha. O olhinho dele cintilou ao topar no dela. Daí em diante, pediu-a em namoro e meses depois estavam noivos. Diante de mais ou menos um lote de amigos, Marcelo fez a declaração de amor mais linda que uma mulher poderia ouvir ao longo de quatro ou doze encarnações. Ele a amava intensamente... Dava-lhe flores dia de quinta-feira só porque era quinta-feira...

Mas algo estranho não aconteceu. Algo completamente anormal não ocorreu. As pernas dela não tremiam. A garganta não ficava seca nem o coração acelerava quando estava com ele. Ela sonhava acordada com a blusinha nova que havia comprado, com a conta de energia que esqueceu de pagar. Mas não pensava nele. Não delirava por ele. Sabe-se lá porque, ela não escutava sininhos na hora do beijo e se excitava com Chuck Norris, com o ortopedista da mãe, menos com o noivo tecnicamente perfeito. Passou a culpá-lo por seu mau-humor e frustrações. Estava com o homem dos sonhos de qualquer uma, no entanto, sentia-se perdida. Mas ela esperou 28 anos para que o príncipe aterrissasse. O que pacas a fez surtar? Virou burra? Havia uma fila à espera do carinha...

Ahhh, mas enquanto ela matutava a enormidade de sua demência, Paulinho surgiu... Não sabe se de pára-quedas, de debaixo do chão ou de Netuno. Mochileiro, 23, criado por avó, não sabia se trancava a faculdade de Rádio de TV para estudar Arquitetura, a exemplo da irmã um ano mais nova e precocemente próspera, ou se empregava a módica herança deixada pelo pai numa produtora de vídeo. A enfermidade de Maurício – o vira-lata do rapaz – foi quem os apresentou.

Paulinho era... A barba por fazer... Mas que voz é essa...? Que Paulinho é esse? Seguinte: meu cachorro tá malzão... Que boca.... Tem três dias que não come! Lindo... Raquel ficou, enfim, com a garganta seca... A paixão rolou! Boom!!! Desejo mútuo, orgasmos múltiplos... Dadinhos do amor, cinta-liga, gargalhadas... Raquel descobriu que sonhar com o tortuoso a fascina.

Uma linha de fogo e mistério.... Ele tem preguiça de ler, esquece datas, não entende dos perfumes caros de Raquel e divide a conta do motel, mas ela descobriu que ostentar um marido bem-apessoado, bem-sucedido, bem-feitinho-de-corpo e que deseja ter um casal de filhos porque é bonitinho não é sua praia. Ela não quer excesso de paz. Ela não precisa mais de uma fórmula para viver. Não precisa mais de uma vida de comercial de margarina. De um marido para falar que não ficou encalhada somente pela idéia de que só se é feliz se for do jeitinho que todo mundo é...

É sempre assim: enquanto algumas se gabam de um marido (que brocha), mas, no fundo, no fundo, queriam um cafajeste cheio de pegadas e adrenalinas, outras dão pra caramba e, no fundo, no fundo, invejam a tal vida de mulher casada.

Myllena Valença