sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Bálsamo

Passa um a um na lista telefônica e desiste na letra G... Não encontra alguém que a faça rir, que a console. Não tem ninguém. A magnífica invenção de Graham Bell nem sempre é o antídoto para esse buraco negro implacável que transforma sua rotina em discretos velórios sem flores e sem pessoas para dar-lhe movimento. A saudade sufoca. O desejo de roubar e enjaular o que não lhe pertence, dói. Porque não adianta estar junto, porque ainda não pode ser assim. A pressão aumenta, o oxigênio diminui. E precisa de um tempo para pinturas e reformas. O breu toma conta do universo, das conversas, dos amigos, das roupas que outrora fizeram daquela mulher algo mais que um esqueleto que se deita e se levanta sem rumo.

Daria qualquer coisa para sentir novamente a paz que aquele silêncio provoca. Aquela respiração era a dose de endorfina que mantinha sua pulsação. Queria - nem que fosse para sobreviver vendo-o sorrir com a mesma magia do segundo encontro. Como que dentro de um quadro emoldurado... Isso lhe bastaria. Ah, se o momento se perpetuasse, e congelasse... A lágrima se acomodaria e não mais teria motivos para cair. O corpo não ficaria mais enfadado de tanto lutar contra a memória daqueles dias.

Ela nunca se sentiu de ninguém. Mas foi descoberta, desbravada. Agora ela vai começar a se preparar para o dia do arrebatamento. Para mais uma prova de seu elixir. Ele irá retirá-la do congestionamento. Do excesso de buzinas. Das músicas tocadas ao inverso. E então o abraço virá como um bálsamo para sua alma incompreendida. Conforme ensinou um poeta, aprendeu com a primavera a deixar-se cortar e voltar sempre inteira.

Myllena Valença