sábado, 22 de maio de 2010

Fórmula mágica

You're gonna find yourself some where, some how
(Corinne Bailey Rae)

Cheguei à conclusão que o conformismo pode ser o pior vilão do nosso destino. O namorado que a gente nem gosta tanto assim, mas por medo ficar sozinha acaba casando com ele. O amigo de infância que se torna uma sanguessuga, mas você carrega o fardo assim mesmo, em nome da camaradagem que por vezes existiu. O emprego que não te faz evoluir, mas você, quando abre os olhos, já se tornou refém do salário.

O conformismo só nos leva a existir de maneira passiva. Ficamos numa zona de conforto e pomos os planos em ponto morto. Depois, fingimos que a vida é assim mesmo e vamos mastigando os dias como folhas de louro, com preguiça de dar o primeiro passo para qualquer revolução. É que, depois que estamos acomodados, mesmo que num colchão desalinhado, as obrigações parecem impossíveis de ser abandonadas. E retirar um tijolo da construção derruba toda a estrutura.

Os que se contentam com suas escolhas vão eliminando as horas como etapas a serem queimadas. Um rumo escolhido ao acaso para dar sequência aos dias... Quanto ao futuro? Adeus qualquer sonho! Para sorte de outros, a inquietude vem sorrateira e os faz pensar nas compensações de deixar a estrutura cair por inteiro.

Se existe a vida plena de fim de novela? Eu não me recuso a acreditar. Quero sempre uma nova atitude que me faça mastigar os dias como um banquete dos Deuses. Assim, quem sabe, encontrarei a fórmula mágica que à existência dá todo sentido.

(Favor, sites, não usar esse texto!)


Por Myllena Valença

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Se precisar, bata a poeira dos sapatos!

Dizem que quando é preciso usar muitos medicamentos para o mesmo tratamento é porque nenhum deles serve. De modo análogo, quando precisamos de muito malabarismo para manter uma relação é porque a posologia deveria ser outra. Se todos os esforços já foram usados e nada acontece, acredite, você está andando em marcha-ré.

Quer testar a amizade de alguém? Certifique-se se você precisa mostrar que merece respeito e compreensão como quem pede esmola. Os amigos de verdade fazem bico, mas acabam gratos diante das críticas. Você não precisa se justificar para não ser confundido. Nunca. Você fala para ele como se tivesse o espelho como interlocutor. É sua extensão.

Quando se tem um amigo de verdade, ele ganha o dia quando você tem uma vitória. É como se existisse para ambos a mesma medida dos ônus e bônus. Você passa um mês sem dar notícias... E aí? O telefone toca e você ganha a porção do seu elixir. Para quê puxões de orelha?

Se você já agradeceu a Deus pela existência de alguém, se você tem para quem contar que acabou de pintar os cabelos, se depois que fala de suas tristezas, sente que o ouvinte resolveu metade de suas dores, parabéns: você já o tem para sempre!

Aproxime-se de pessoas comprometidas com sua felicidade. Das outras, as imprestáveis, corra para longe e bata a poeira dos sapatos!


Por Myllena Valença

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Encontrei um palhaço

Ter assistido, tempinhos atrás, ao espetáculo Quidam, do Cirque du Soleil, me fez repensar uma qualidade de poucos: o bom-humor. Isso porque há anos eu não achava tanta graça nas piadinhas clichês dos palhaços. O riso – para quem provoca ou é provocado - é sinal de que uma pessoa possui espírito superior, capaz de desvaler os trampos da vida com bravura e ternura. Bom-humor deveria ser pré-requisito até para se trabalhar numa empresa. É virtude dos sábios, dos generosos, dos sãos.

Um amigo me disse que espécie rara, hoje, é uma mulher que lhe provoque gargalhadas, dessas quando se joga a cabeça para trás e os olhos enchem de lágrimas. Concordo com ele em relação aos homens. E lembrarei daquele palhaço antes de decidir sobre meus amores. Quero alguém que mostre - e me faça exibir - 80% a 90% dos dentes pelo menos três vezes ao dia. É questão de sobrevivência!

Encontrei um palhaço. E nem precisou ser um profissional de circo. Estando com ele, mantenho distância das carrancas, daqueles que mais se parecem com cossacos russos, que não encontram nenhuma relação entre piadinhas sacanas ou mancadas corriqueiras com uma risada franca, ruidosa e prolongada. E não falo desses manés que passam o dia soltando piadinhas chapadas. Bom-humor requer inteligência (emocional e intelectual). É, repito, uma virtude!

Não adianta um namoradinho bom-de-cama, que me leve para ótimos restaurantes e discuta Sêneca se ele for um defunto sem atitude para me divertir. Um caso de amor sem sexo pode se prolongar. Sem a dose ideal de riso, no entanto, já começa falido.

Fuja dos que possuem síndrome de vítima ou só enxergam um mundo obscuro. Cerque-se das pessoas de alma feliz e contamine-se!

Myllena Valença

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Querido estranho

Quando ele me encontrava e pagava um Guaraná, eu me sentia a pessoa mais importante da terra. Ele mexia no meu cabelo e dizia que eu já estava enorme, e linda. Repetia pela trigésima vez a história daquela tarde em que eu matei os pintinhos coloridos comprados na feira, e achava a maior graça nisso. “Você apontava pro bicho morto e me chamava para ver”, contava às gargalhadas. Ele era como um membro da família que não estava comigo – pensava eu – por ser importante demais para isso. Um semi-Deus que me pagava guaranás e ria de pintinhos.

Essa é uma das poucas histórias que guardo como se tivessem acontecido duas horas atrás. Lembro também que tinha sobre ele um medo que se misturava ao orgulho, à vergonha, ao amor que eu não sabia se era correspondido. Constrangimento por não estar presente em sua vida. Ódio, porque ele não estava presente em minha vida.

Entre uma mistura inesgotável de sentimentos, eu tenho um que se sobressai: o remorso sobre-humano de não conhecer o passado e a intimidade daquele querido estranho. O que realmente lhe causava medo? Gostava de pimenta? Havia quebrado o braço quando criança? Suas notas no colégio eram melhores que as minhas?

Jamais falei sobre meu pavor às provas de química, sobre meus amores; jamais discutimos nosso gosto por literatura ou por doce de leite. Ele não me ensinou a dirigir nem a gostar de música clássica ou rock; não assinou meus boletins, não me explicou sobre aquecimento global. Não esteve por perto para me proteger, nunca brigou para me defender. E quanto mais eu penso, uma coleção de nãos se espicha sobre mim.

Ele foi um rio que passou em minha vida. Tenho seu sangue, mas não compartilhei sua memória para, assim, perpetuá-la.

Naquele dois de janeiro, ele esteve tão longe quanto poderia estar.

Hoje, incrivelmente, está aqui.

Não me espelhei em você. Você não me deu grandes orgulhos. Sou sua parte mais importante, e você, querido estranho, estará sempre em mim.

Myllena, filha de Anito Valença

sexta-feira, 17 de abril de 2009

A menina tola

Referência na arte-educação do Brasil, Ana Mae Barbosa nasceu no Rio de Janeiro. Mas aos três anos foi para o Recife, onde se formou enquanto gente e profissional. Ana se pronuncia pernambucana, porque a gente pertence ao lugar onde cria raiz. Numa entrevista à Revista Continente, Ana Mae falou dos preconceitos sofridos na vida pessoal e na profissão por um simples detalhe: sua autenticidade. “A pior coisa que eu vivi e não consegui reagir foi quando dei uma palestra em São Paulo e ao terminar alguém veio a mim e disse: ‘É incrível que você, com esse seu sotaque, fale coisas tão importantes’. Alguma coisa me bloqueou e eu não consegui responder...”, contou Ana ao repórter.

Passei por situação parecida. Uma única vez. Por isso, de tão surpresa, não reagi da maneira que gostaria – ou deveria. Alguns velhos e novos colegas e eu comíamos sanduíche e batata frita, numa madrugada qualquer, depois de sair duma boate, no Recife. Todos na mesa eram da capital. Menos eu. Quando perguntada se era também do interior, uma das meninas respondeu da forma mais infeliz e patética que já ouvi: “Olha pra mim e vê se tenho cara de gente do interior!”.

Alguma coisa me bloqueou e eu não consegui responder à altura.

E como me arrependo!

O que faz alguém se sentir cosmopolita por morar 134 quilômetros depois de mim ou onde quer que seja? Gostaria de ter dito àquela criatura que, se acaso ela fosse a São Paulo, assim como Ana Mae Barbosa, poderia ser tachada de matuta. Queria que ela soubesse que, tendo a bunda daquele tamanho, se chegasse à Espanha, teria todas as chances de ser confundida com uma prostituta. Isso porque, infelizmente, em toda parte do mundo existem pessoas estúpidas, desavisadas e ignorantes como aquela menina.

Eu daria um conselho: que ela lesse um pouco sobre antropologia, cultura e comportamento. E se compreendesse o significado da teoria da relatividade, mudaria o discurso, porque a patente de recifense não faz dela uma pessoa mais ou menos civilizada. Já a leitura da bíblia ensinaria tal garota a amar e respeitar o próximo. Como gostaria de ter dito àquela menina tola o quanto a leitura nos dignifica. Aliás: como a leitura faz com que as pessoas evoluam a ponto de não pensar raso como ela. O conhecimento nos permite raciocinar. E gente que raciocina não fala as mesmas coisas que aquela menina tola.

Um dia, quem sabe, essa tal menina tola vai entender que o colorido da vida está nas diferenças. Na burca e no cabelo pintado de rosa. No jogo entre Sport e Náutico, na situação e oposição.

Quem sabe, quando descobrir sua autenticidade, ela dará as costas à alienação e enxergará as cores além desse mundo quadrado e daltônico onde faz questão (e não sei como consegue) de viver?

Myllena Valença

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Adulta, enfim!

Estou adulta. Não sei se pela idade, que nem é tanta assim. Mas cheguei, enfim, à tal fase. Demorei a enxergar minha transcendência involuntária e sempre punha a culpa nos outros pelas mudanças no mundo. A Farinha Láctea, por exemplo, não tem o sabor de antes; não me dá mais prazer sentir seus grãos colados aos dentes. O biscoito Bono, notaram?, também está insosso e as tortas mais meladas da padaria não me enchem mais os olhos. Estou na fase dos dissabores da vida? Será esse o preço do amadurecimento, da liberdade que sempre quis?

Perdi o hábito de me benzer em frente à igreja, de entrar com o pé direito e correr de gato preto. Não acredito em tudo que é história e nos mais ínfimos sinais saco logo a áurea das pessoas. Já não chamo de inteligente todo mundo que sabe algo a mais que eu. Já não elogio nem critico com tanta frequência, porque meus sentidos estão mais volúveis. Talvez por esse motivo as dores corriqueiras mudaram de ritmo. Parecem tão mais brandas agora. Nessa nova fase também passei a me estressar com outras coisas tolas. O que provoca, por Deus, tanta confusão de vê com ver, está com estar, vir com vim? Detesto esses barbarismos!

Não consigo mais conter cada palavra pelo receio de magoar - mas às vezes, quando mais deveria falar, falho. Ainda assim, o medo de me expor, de ser mal vista, julgada, passou. Isso porque acabei com a antiga e feia mania do deixar-prá-lá: parei de dar de ombros diante de injustiças e mentiras; aprendi a interpelar.

Determinadas amizades perderam o sentido. Outras, bem ou mal, enxergo de forma diferente. Umas não conseguiram me acompanhar. Outras, porém, me surpreenderam e me ganharam, quem sabe, para sempre. Confesso mais: eu, que queria convencer plantas, lagartixas de parede e gente chata que minha amizade valia à pena, não ligo mais. Minhas qualidades, não tenho que prová-las. Aprendi a dizer não e evito eufemismos - não preciso ser a menina mais legal da cidade. Os meus estão sempre perto (mesmo que não fisicamente), então, abro mão do resto.

Me importo menos em ser clichê. Perdi o cuidado excessivo de falar ou transcrever algo já dito por outros. Adulta, aprendi a relaxar o períneo, perdi a vergonha de chorar e até ganhei medo de anestesia. Um pouco mais de ousadia para seduzir me soava vulgar. Nada. Cada pessoa se faz ou não vulgar. Quero fazer plásticas, morar longe daqui e topar o desafio de ser sempre pontual sem, para isso, precisar adiantar os ponteiros em 15 minutos.

Sei não, acho que comecei a contagem regressiva para pôr ordem à minha vida. Acho que vou ter de encarar a vida de adulto.

Myllena Valença

domingo, 28 de setembro de 2008

Café com Amélie

Em certas conversas, lembro exatamente das expressões faciais do meu interlocutor, da força como cerra os dentes quando está com raiva, joga a cabeça para trás nas gargalhadas ou, nervoso, coça a ponta do nariz. Mas fixar uma só palavra do que foi dito, por favor, tem horas que é tortura. Sorrio, assinto, me espanto... Mas estou noutra esfera. “Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre”. Nessa frase, de Fernandão boníssima Pessoa, encontrei, enfim, um par perfeito para o desapego a tanta coisa que me ronda.


A citação casou bem, por sinal, com o novo termo que acabo de aprender: presenteísmo. Os dicionaristas ainda não reconhecem essa palavrinha. Mas entendo bem disso. O presenteísmo, na verdade, é estar na aula de italiano quando tudo que se pensa é na calça manchada que não se pôs para lavar; é andar com dois corpos: a caminho do trabalho estou, ao mesmo tempo, pelas ruas de Stambul, no café com Amlélie Poulain.


Certo dia, no consultório médico, ao ser perguntada sobre há quantas horas estava na fila, tudo que sabia responder era sobre os pés rachados da senhora gorda à minha esquerda, sobre a moldura quebrada no quadro falso de Romero Britto, disposto no canto da clínica, e sobre a sobrancelha desajustada da recepcionista.


Desolado com minha falta de zelo às suas conversas, um amigo confessou que daria um dedo pelos meus pensamentos. Na boa: ele não entenderia o enigma que me leva a falar sozinha, rir do sigilo, resmungar do vento, balbuciar dialetos que nem eu entendo. Como explicar essa ebulição de quase tudo? Sou o meu próprio espetáculo e adoro assistir à minha paisagem.



Myllena Valença